Um sobre a autonomia grandiosa do som dos textos que, quando são lidos em voz alta ou voz baixa, se elevam muito para cima do seu criador, tornando a escrita maior que o sujeito que a criou; e, outro, sobre a noção de tempo, a sua distorção, ideias que se ajustam na perfeição à noção do tempo cinematográfico. Há ainda uma pequena frase maravilhosa sobre a luz: “A mesma luz que ilumina a face dos santos e os sapatos do homem comum.” Não foi preciso mais nada para eu ficar contente. Alcançar o grão da voz, encontrar os ritmos de música verdadeira e grandiosa dos fragmentos do livro. Leiam-no em voz alta ou voz baixa, como diz Pessoa. O aperto que sentem no peito não é de gloriosa felicidade? Os olhos não ficam rasos de lágrimas e o cérebro efervescente? Distorcer o tempo e as imagens, pôr em causa o modo de as ver (utilização de diferentes velocidades, ralentis, acelerações e até lentes anamórficas, embaciadas, desfocadas) pintar o espaço com cores excessivas, não realistas, mas também fazê-las esmorecer, quase desaparecer, chegar aos tons secos, e até à pureza da gama de cinzentos, do preto e do branco. Bernardo Soares, um homem con- temporâneo, de aspecto normal, indecifrável do comum dos mortais, mas com a angústia e o tédio desespe- rado de um funcionário modesto, e Lisboa uma cidade misteriosa, labiríntica e profunda, de inquestionável beleza e luminosidade. “Oh, Lisboa meu lar!” Todos os outros personagens e todos os incidentes que os envolvem são, na vertigem dos sons das frases que os fazem existir, parte do desassossego do ano 2010 da nossa era.
JOÃO BOTELHO • Setembro de 2010
Hora Local Universidade - Grande Auditório de Gambelas Criado por
P.S. # ESTE VOU FAZER DE TUDO PARA NÃO PERDER!!! :)
Sem comentários:
Enviar um comentário