domingo, 21 de novembro de 2010

# O filMe dO desassOssegO, de jOãO bOtelhO

desassossego (ê)
s. m.
1. Inquietação.
2. Perturbação de ânimo.


[nOta dO realizadOr]:
O Livro do Desassossego, “composto” por um misterioso e modesto ajudante de guarda-livros de nome Bernardo Soares, inventado por Fernando Pessoa, está traduzido em 37 idiomas e espalhado pelo mundo inteiro. É o livro mais lido e divulgado do poeta, essa labiríntica e inigualável aventura literária. “A minha pátria é a língua portuguesa”, esta frase do Livro do Desassossego que é “a nossa maior invenção desde as Descobertas”, como afirmou Eduardo Lourenço, levou-me a enfrentar este mar de textos transformado numa obra universalmente conhecida, armadilha de um génio, puzzle perfeito porque não tem fim e genial porque todas as soluções são diferentes e nenhuma é definitiva. “É impossível filmar o Livro do Desassossego”, diziam-me todos. “Talvez”, disse eu, mas a partir de um texto que não tem tempo e não tem igual, foi-me possível criar um Filme do Desassossego (que não pretende ser o livro, outra coisa é o cinema, que não arte literária!) não em nome da experimentação ou da artística diletância, mas em nome do cinema que eu amo acima de tudo, e da língua, que é também a minha pátria. Há no Livro do Desassossego dois pequenos e preciosos textos que foram decisivos para estruturar o filme e o modo de filmar.

Um sobre a autonomia grandiosa do som dos textos que, quando são lidos em voz alta ou voz baixa, se elevam muito para cima do seu criador, tornando a escrita maior que o sujeito que a criou; e, outro, sobre a noção de tempo, a sua distorção, ideias que se ajustam na perfeição à noção do tempo cinematográfico. Há ainda uma pequena frase maravilhosa sobre a luz: “A mesma luz que ilumina a face dos santos e os sapatos do homem comum.” Não foi preciso mais nada para eu ficar contente. Alcançar o grão da voz, encontrar os ritmos de música verdadeira e grandiosa dos fragmentos do livro. Leiam-no em voz alta ou voz baixa, como diz Pessoa. O aperto que sentem no peito não é de gloriosa felicidade? Os olhos não ficam rasos de lágrimas e o cérebro efervescente? Distorcer o tempo e as imagens, pôr em causa o modo de as ver (utilização de diferentes velocidades, ralentis, acelerações e até lentes anamórficas, embaciadas, desfocadas) pintar o espaço com cores excessivas, não realistas, mas também fazê-las esmorecer, quase desaparecer, chegar aos tons secos, e até à pureza da gama de cinzentos, do preto e do branco. Bernardo Soares, um homem con- temporâneo, de aspecto normal, indecifrável do comum dos mortais, mas com a angústia e o tédio desespe- rado de um funcionário modesto, e Lisboa uma cidade misteriosa, labiríntica e profunda, de inquestionável beleza e luminosidade. “Oh, Lisboa meu lar!” Todos os outros personagens e todos os incidentes que os envolvem são, na vertigem dos sons das frases que os fazem existir, parte do desassossego do ano 2010 da nossa era.


JOÃO BOTELHO • Setembro de 2010



Hora
Sexta-feira, 26 de Novembro · 21:30 - 23:30

LocalUniversidade - Grande Auditório de Gambelas

Criado por

P.S. # ESTE VOU FAZER DE TUDO PARA NÃO PERDER!!! :)




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